Ele é um deles! - Prólogo
O Velho Hemming era chamado assim desde que ele se entendia por gente, e isso não fazia muito tempo. Ele dizia, para todos que tivessem paciência de ouvir, que sua vida havia mudado completamente depois que conhecera o Chefe. Antes do Chefe ele era só mais um patético batedor de carteiras como qualquer outro, depois do Chefe tudo havia mudado. A verdade era que o Velho Hemming havia sido só mais um patético batedor de carteira a vida toda, e continuou sendo só mais um um patético batedor de carteira mesmo depois de começar a trabalhar para o Chefe, mesmo que agora carregasse uma Glock .17 dentro da cueca. Ele nem era tão velho assim; tinha lá seus quarenta e poucos anos, mas o apelido vinha porque ninguém durava tanto assim naquele ramo sem subir na vida ou ficar com uma quantia absurda de chumbo alojada no cérebro.
Não gostava de falar sobre seu passado e gostava de manter um clima de mistério quando o assunto chegava aos seus pais. A verdade que só ele sabia, porém, era que seu pai era um fracassado qualquer, gordo demais e incapaz de manter qualquer relação social com qualquer outra pessoa, quanto mais sexual; num momento de desespero, ele estuprou a primeira garota menor de idade que passou pela sua frente, e depois se suicidou. A garota engravidou e teve o filho, mas a pressão foi demais para ela suportar; como numa novela de tevê excessivamente dramática, acabou ficando doente e morrendo.
"Que saco, não?". O Velho Hemming repetia essa frase para si mesmo diversas vezes ao dia, sempre que pensava no que havia conquistado em sua vidinha longa e inexpressiva. "Que saco, não? Quarenta anos roubando uma coisinha aqui, uma coisinha ali, e eu consegui construir exatamente nada com a minha vida. Que saco, não? Saio dessa na primeira oportunidade que aparecer, ah se saio."
A primeira oportunidade demorou, mas apareceu. O Chefe ia fazer uma venda de uma quantia considerável de pó para uma outra família. O transporte até o local seria feito em três carros; precisava-se de um guarda-costas para cada um, que deveriam ficar perto da droga até a transação ser concluída. O Velho Hemming soube, naquele instante, que aquela era sua grande chance de melhorar sua imagem perto do chefe e subir na carreira. Imaginou para si um futuro realmente grandioso, morando em uma mansão afastada da cidade, comandando a máfia de Berlim, com mais poder, mulheres e dinheiro do que jamais poderia ter sonhado. "Que maravilha, não? O futuro será generoso comigo, ah se será!"
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Deu tudo razoavelmente certo no transporte. A transação seria realizada numa fazenda afastada; o motorista que andava no mesmo carro que o Velho Hemming parecia extremamente nervoso. Fez algumas besteiras que chamaram a atenção de um guarda. O Velho Hemming não se lembrava de outra ocasião em que tivesse suado tão frio. O guarda verificou os documentos e a licença do carro, julgou que estava tudo certo e mandou eles prosseguirem. Não havia percebido as armas debaixo dos bancos, quanto mais a droga no forro do porta-malas.
"Que alívio, não?".
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As três malas de dinheiro paradas no chão, cada uma ao lado de um capanga armado que mais parecia um gorila, chamavam o Velho Hemming. Aqueles eram seu passaporte para uma vida melhor. Não havia como dar errado, estava tudo ali na frente, tão fácil.
A tensão no ar era palpável. Nenhum dos dois lados confiava no outro, e os dedos posicionados nos gatilhos tremiam tanto que os velhos rifles de assalto poderiam disparar a qualquer momento. A AK-47 de Hemming estava bem posicionada no seu peito; não que ele esperasse usá-la, mas precaução nunca era demais.
Cada um dos três gorilas levantou uma mala. À frente deles vinha um figurão da outra família, com um maço de cigarros na mão.
O Velho Hemming tremia.
O figurão da sua família começou a avançar também; o Velho Hemming o seguiu, carregando um dos três pacotes de droga.
A tensão aumentava.
Os dois figurões pararam, um na frente do outro.
O Velho Hemming conseguia ouvir a respiração de todos a sua volta.
O figurão da família rival tirou um cigarro do maço, e o colocou na boca.
"Que droga, não? Isso podia acabar logo."
A mão do sujeito soltou o cigarro em sua boca e foi para dentro do seu paletó.
O Velho Hemming não teve dúvidas. Apontou a AK para a cabeça do desgraçado, e puxou o gatilho. A bala foi direto através do crânio, acertando uma parede de madeira da velha fazenda. Nada mal para um primeiro tiro.
Para toda ação há uma reação, e o Velho Hemming logo achou-se no chão, com o peito mais perfurado do que uma peneira, sangrando como um porco.
Enquanto os sons e imagens do mundo real pareciam se distanciar, o Velho Hemming teve um último momento de genialidade.
"Um isqueiro! Ora, o desgraçado não ia puxar uma pistola, era só uma desgraça de um isqueiro pra acender a merda do cigarro... Que saco, não?"
E então tudo ficou escuro.
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O Velho Hemming não sabia e nunca ficaria sabendo, mas ele seria o primeiro a se levantar.
1 Comentários:
Que saco, não?
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